Compêndio do Milênio R

O milênio R foi marcado por grandes acontecimentos, abalos cataclísmicos e o surgimento de uma figura que alterou o rumo da história, para muitos, é aqui que a história realmente começa.


Have fun!




criado (publicação) 06/08/2017
atualizado 13/12/2017
atualizado 08//01/2018
atualizado 18/04/2018
atualizado 28/06/2018
atualizado 17/09/2018
atualizado 19/01/2020


~~
A verdade sobre aqueles que caíram na escuridão R445
~~

 Kinther, com o pequeno Abdael embaixo dos braços e com a voz enérgica provocava os semblantes encapuzados à sua frente:
 - Eu estou atrapalhando a pequena reunião de vocês? Sabe, o garoto aqui não gosta muito de dar autógrafos depois do meio dia - deu uma pequena pausa e mostrou as presas à dupla - podemos resolver qualquer desentendimento se agendarem um horário.
 O encapuzado que estava mais recuado, próximo à saída para a rua, retirou uma faca, repleta de ornamentos em rubi, e revelou uma voz feminina ao retrucar com o canino brutamontes:
 - E você quem é? Não gostamos de vadios que se metem em assuntos de terceiros por aqui...
 Ele não esperou a figura imponente terminar a frase e pontuou, agora com um ar mais sério:
 - Talvez vocês já ouviram falar de mim, uns me chamam de, "O semeador da morte negra" - ele avançou alguns passos em direção à figura que não se pronunciou, o que a fez recuar - outros, me chamam de "O pilar fúnebre carniceiro" - ambos os inimigos seguraram facas em posição defensiva, esperando uma investida destruidora - mas a verdade, é que - ele saltou, posicionou Abdael deitado em cima do telhado do armazém ao lado, então, saltou novamente para baixo, retirando seus floretes e rodopiando parado, realizando uma pose na qual apontava para o céu - eu sou Kinther!! O poderoso herói das planícies de Meraverte, o fiel justiceiro de todo o reino de Sul-de-Prata, malfeitores tremei!!!
 Ambas as figuras se entreolharam, e após poucos segundos caíram na gargalhada, a figura que até então estava reservada, debochou da cena, com uma voz masculina:
 - Que palhaçada é essa?! Eu vou mostrar pra você o quão doloroso pode ser cruzar o meu caminho!!
 Os encapuzados começaram a se aproximar, com as lâminas em punho, Kinther franziu a testa, e indignado exclamou:
 - Será que vocês não sabem que a justiça sempre prevalece? - então esboçou um sorriso desafiador.

~~
O que eram mesmo as coisas importantes? R477
~~

 A chuva caía enquanto o vento da tarde refrescava o arvoredo, apesar de toda a gritaria de minutos atrás, Orinith se esforçava para sentir paz ao sentar-se no telhado, atividade que realizava com frequência quando era mais nova. As gotas frias que molhavam suas patas eram um tanto reconfortantes, mas não lhe trazia a serenidade que almejava.
 Repetidas vezes ouvira seu nome ser chamado de dentro da casa, seu pai não desistira de dar por terminado seu monólogo, o que não interessava à pequena do lado de fora.
 Perdida em pensamentos de liberdade, Orinith refletia sobre encerrar a própria vida e outras perturbações. Seu pulso, já marcado por algumas cicatrizes lhe oferecia arrepios à medida em que passava por cima com sua pata, por toda sua extensão.
 Repentinamente pequeninas pedras começavam a ser atiradas para a direção da garota, e, ao olhar para a origem dos 'disparos' pode enxergar com clareza Marin e Rorshi atrás de alguns arbustos, fazendo gestos para que a pequena os acompanhassem, sem pensar duas vezes, salta do telhado e se embrenha no meio das folhas junto de seus companheiros, e com os olhos em lágrimas diz:
 - Eu sinto muito...não vou conseguir aguentar isso por muito tempo - lamentava a garota - eu só queria que[...]
 Marin a interrompe abraçando-a ternamente, que fez com que Orinith retribuísse o abraço mas de forma muito mais forte. O calor de seu corpo a confortava, e ao levantar seus olhos, cruzou seu olhar com o de Marin, enrubescendo suas bochechas já muito rosadas. O momento de intimidade foi cortado com uma frase de Rorshi que estava inquieto:
 - Erm...meninas, o pessoal está nos esperando, podem se abraçar por lá - Rorshi deixa escapar uma pequena gargalhada - já que a Marin acha que todo mundo é feito de pelúcia e[...]
 Marin interrompe a interrupção com um tapa no focinho de Rorshi, e retruca:
 - Eu vou mesmo fazer uma pelúcia sua se continuar com isso!
 Orinith começa a rir, e só então se dá conta que estava chorando, a chuva havia a confundido, tentou enxugar as lágrimas mas em vão, suas patas estavam molhadas, Rorshi se pôs em sua frente e tenta descontrair a situação:
 - Ao que tudo indica, levando em conta, claro, fatores científicos complexos nesta presente situação, podemos deduzir que a senhora está passando por uma doença conhecida como olheira torrencial!! Talvez se a senhora tivesse se hidratado menos não teria todo esse curso de água saindo de dentro de v--[...]
 Marin interrompe novamente Rorshi, mas dessa vez com um tapa mais certeiro, e voltando seu olhar para Orinith enuncia:
 - Quando a gente chegar, me lembre de tosar esse animal tagarela!
 Orinith não consegue segure o riso, Marin estende sua pata de modo que a garota fosse conduzida, reagindo de maneira correspondente, Rorshi sorri conformado.
 Marin, segurando a pata de Orinith, havia começado a coordenar o trio em direção ao norte, lugar onde Orinith não se recordava com clareza, Rorshi cantarolava uma canção enquanto caminhava, sem preocupações, ao lado das meninas. Enquanto era conduzida, Orinith observava os fios delicados dos cachos de Marin, analisava também, afoita, a sua postura ao mesmo tempo gentil e impositiva, a cada segundo que permanecia estudando sua completude corporal, suas bochechas insistiam em corar.
 Orinith abaixou a cabeça e indagou a dupla de maneira tímida:
 - Estou seguindo vocês, mas... - ela deu uma pausa, não gostava de questionar - ...ainda não disseram aonde estamos indo e quem vai estar lá...
 Rorshi olhou pra trás, mas mantendo o passo do grupo, respondeu sorrindo:
 - Vamos tomar sorvete, o Onox encontrou umas pessoas que sabem fazer umas misturas perfeitas com algumas frutas!
 Marin começou a rir e sem parar, continuou:
 - Acredita que aquele senhor-das-trevas gosta de doces?! - brincou a mulher.
 Orinith parou de andar por alguns instantes, Rorshi e Marin olharam para a garota, e depois se entreolharam desentendidos:
 - Que foi Orin? -perguntou Marin se aproximando.
 Orinith, novamente não conseguindo esconder a lágrimas indagou:
 - Vocês caminharam isso tudo só para me chamarem pra tomar sorvete?
 A dupla novamente se olhou, e Rorshi com uma feição mais tênue, respondeu:
 - Mas é claro, sabemos que a senhora adora doces e sorvetes - deu pausa - e também uma certa pess-[...]
 Marin, pela terceira vez interrompeu de maneira não sútil o companheiro, realizando um golpe tegatana (com a 'faca' da mão) no pescoço do infeliz felino, e com um olhar calmo, voltou-se para Orinith:
 - O que nosso amigo estava tentando dizer é, nós gostamos de você mocinha, por que não chamá-la? Sorvete é mais gostoso quando se está com amigos, com as pessoas que vocês gostam!
 Rorshi, no chão, balança a cabeça em sinal de afirmação, Orinith sorri com uma expressão serena e delicada, dessa forma respondendo:
 - Entendi, então, vamos tomar sorvete!
 Marin se contagia com o súbito entusiasmo da garota e lhe fornece uma expressão alegre. Rorshi tem seu corpo enrolado pela cauda de Marin e logo é arrastado, assim o trio seguia para o encontro.

~~
Marcas gélidas R484
~~

 Ainda era dia quando o estranho grupo havia chegado ao pequeno armazém da família Philimus, no extremo leste da cidade, local cercado destroços que uma vez já representaram estabelecimentos de entretenimento, Mackros não conseguiu deixar de lembrar de Nellie e Maggy, foi a primeira vez em muito tempo.
 Cameroth carregava Sindra, desacordada, nas costas enquanto Kron inspecionava a porta principal do armazém.
 - A entrada fica aos fundos, esta porta foi fortemente trancada à tempo, levem-na para dentro, procurem pela sala de testes, ela estará marcada, a coloquem em uma mesa cirúrgica, e a amarrem lá, alcanço vocês em breve...
 Nenhum dos dois ousou questionar, e simplesmente obedeceram o comando, passando por vinhas que se estendiam por toda a lateral do edifício, a entrada dos fundos estava com a maçaneta empoeirada e desgastada, ao abrir não conseguiram enxergar muito além do tapete de boas vindas, Kron acendeu um fósforo.
 Do lado de fora Mackros seguia por um pequeno caminho cercado de rosas, que agora saíam de sua área de cultivo, devido a falta de cuidados, ele se ajoelhou em frente a um carvalho no final da pequena trilha, retirou o lenço rosa que levava consigo e o prendeu com uma faca na base da árvore:
 - Desculpe ter demorado tanto, em breve, eu os farei pagar, farei todos eles pagarem, e então poderemos ver a neve nas montanhas juntos, eu prometo.
 Kron tentava se orientar dentro dos cômodos, mas não conseguia chegar a lugar algum sem dar com o focinho na parede a cada três ou quatro passos, e Cameroth segurava sua pata, o que não o ajudava :
 - Realmente acha necessário beijar toda pedaço de cimento que vê ? - disse Cameroth de forma sarcástica.
 Kron tropeça em uma escrivaninha e ouve-se objetos de vidro caindo:
 - Você poderia ser mais útil, por que não me ajuda a procurar a sala ao invés de me atrasar ?
 Ela não responde, abaixa e apanha um dos objetos caídos, ao levá-lo para próximo do rosto, consegue visualizar uma fotografia de Mackros, usando um terno, ao lado de uma mulher que o abraçavam e uma garotinha que segurava um presente embrulhado:
 -Essas duas, elas são...
 Cameroth é interrompida com o acender das luzes, revelando o cômodo ser um escritório, possuindo uma estante abarrotada de livros mal enfileirados  no fundo, próxima a uma janela trancada com barras de madeira, uma prateleira com diversos retratos, das mesmas três figuras da fotografia, e a escrivaninha que Kron derrubara, antes que um dos dois pudessem fazer algum comentário, Mackros apareceu na porta e questionou :
 - Não disse para vocês seguirem para a sala de testes ?
 Cameroth rapidamente guardou a foto em um bolso na calça, e retrucou:
 - O local estava completamente escuro, não tinha como chegarmos lá dessa maneira !
 Mackros se virou e seguindo para o corredor à sua direita bradou:
 - Eu deveria ter deixado você apodrecer naquela jaula.
 Kron o seguiu em silêncio, Cameroth abaixou a cabeça e fez o mesmo.
 Ao passarem pelo corredor, que possuía diversos desenhos que aparentavam terem sido feitos por uma criança, chegaram a uma porta espessa de metal com diversos avisos em vermelho que diziam "não entre", Mackros abriu a porta, com dificuldade, a sala era completamente branca e extremamente espaçosa, diversos mecanismos com válvulas, alavancas, botões e telas se estendiam pelas paredes, haviam quatro mesas cirúrgicas no centro da sala e uma máquina maior que parecia estar ligada ao teto, no centro do cômodo.
 Mackros avançou até uma das mesas e fez sinal com que colocassem Sindel ali, Cameroth obedeceu imediatamente, prendeu as amarras nos braços e nas pernas da irmã, Mackros chamou Kron para que o auxiliasse em retirar um espesso cabo de debaixo da máquina central, após remover completamente, era visível uma enorme agulha na ponta do cabo, Mackros a espetou no pescoço de Sindel, a fazendo acordar:
 - Esse processo requer que ela esteja consciente.
 Sindel assustada e em choque tenta retirar a agulha de seu pescoço, sem notar que estava completamente algemada, Kron segura sua cabeça contra a mesa:
 - Você não vai querer causar mais problemas, acredite.
 Sindel olha para a irmã, sentindo um alívio temporário:
 - Came ? O que está acontecendo aqui ? Você está com essas pessoas ?!
 Sindel se debate descontroladamente, Kron olha para Cameroth, que logo em seguida abaixa a cabeça.
 Mackros desfere um tapa no rosto de Cameroth e brada furiosamente:
 - Não faça eu me arrepender da minha decisão, escolha logo, vai ser um fardo pro resto da vida ou vai servir à causa e  recompensar toda a vida medíocre que levou até agora ?!
 Cameroth olha relutantemente para Sindel, e responde:
 - Eu vou justificar os meus erros ! - Mackros sorri maliciosamente.
 Em seguida pressiona um pequeno botão próximo a base da agulha no pescoço de Sindel, o que libera um líquido, percorrendo todo o cabo e adentrando o corpo da infeliz, fazendo-a gritar de dor, Cameroth mantêm sua cabeça erguida.
 Mackros vai até a porta e informa:
 - Kron, preciso de você por alguns minutos.
 Kron olha para Cameroth e então para Sindel, e questiona:
 - Tem certeza que é uma boa ideia deixar essa inútil sozinha com a irmã ?
 Mackros repete o mesmo sorriso sádico:
 - Pense nisso como um teste, dessa vez ela não vai me desapontar...
 Após o pequeno diálogo, Kron retira suas patas de cima de Sindel e segue Mackros pelo corredor, fechando a porta em seguida.
 Sindel respira aliviada e chama sua irmã:
 - Rápido Came, abra essas algemas antes que aqueles dois retornem - ela se debate - talvez tenha alguma saída deste lugar nesta sala.
 Cameroth a fita silenciosamente, ignorando o comando da irmã.
 - Came ? Não me diga que você está do lado deles !
 Após um curto silêncio, Sindel dá sequência:
 - Você não pode fazer isso comigo ! Eu sou sua irmã ! Nós crescemos juntas, vai me dizer que esqueceu de tudo que nós passamos ? - a voz de Sindel ficava cada vez mais desesperada - Came me responda !! O que vocês vão fazer comigo ? Você vai mesmo trair o seu próprio clã ? Você disse que sempre estaríamos juntas, que iríamos proteger uma à outra, depois que o senhor Oldric se foi eu estava lá pra cuidar de você ! Quando você foi pega pela milícia, eu também te protegi, e você sabe melhor do que ninguém o que aquilo me custou ! Por quê está fazendo isso comigo, por que você - Cameroth a interrompe:
 - Suas palavras não significam nada para mim, além de expressões vazias, esse é o destino que eu escolhi, e para você, eu só tenho o desejo de quê, sofra, sofra muito e devagar !
 Sindel começa a se debater desesperadamente, ouve-se um estalo e a porta de metal torna-se a abrir, Mackros e Kron adentram o cômodo portando bisturis e seringas:
 - Vê Kron ? Ainda estão aqui, ela vai servir pra algum propósito afinal - Mackros se aproxima e cola uma fita na boca de Sindel - não quero mais gritos nesta residência ! Cameroth, por que não apanha um bisturi ? Vamos realizar um pequeno procedimento aqui...
 Cameroth obedece e segura um bisturi.

~~
A tragédia dos desafortunados R485
~~

 A planície de Meraverte estava silenciosa novamente, os cadáveres dos peões de ambos os lados jaziam no chão, sem vida, o que à poucas horas representava um campo verdejante, agora era um lago de sangue banhado em aço.
 Oonoma, apesar dos esforços de Gurak, estava vivo, com sua cauda tentava estancar o sangue que escorria do visível corte em sua garganta. Parecia irônico que um únicos combatentes vivos daquela carnificina era justamente um ex-diplomata. Oonona teria deixado escapar uma gargalhada neste momento se pudesse, estas desventuras o costumavam fazer rir.
 Não muito longe da já findada zona de batalha olhos ansiosos assistiam o epílogo daquele episódio, Mackros aguardava pacientemente o sol abaixar para que pudesse finalmente remover de vez o Lince que lhe causara problemas. Cameroth ao lado dele admirava, de maneira temerosa, o afinco com que seu líder tinha ao seguir os próprios objetivos, uma chacina orquestrada por apenas um homem havia ceifado multidões de valentes e honrosos soldados de dois grandes grupos de Elderstead, no mínimo assombroso...
 Logo que Oonoma adquiriu forças para levantar, pôde enfim presenciar a desgraça que resultou a persistência cega comandada de seu próprio ego, muito mais do que soldados, seus companheiros estavam dizimados, alguns poucos espadachins continuavam de pé, ocupados em duelar contra os 'valetes' que restaram da ordem de Stonemaw, que ao notar que seu líder, Gurak, já estava caído, sem vida, começaram a lentamente aceitar seu destino. Oonoma perdera sua espada no último confronto com o leão, e de forma bruta, empunhou a espada de seu ex-adversário, sem soltar a cauda do pescoço, para auxiliar os soldados remanescentes.
 Ao julgar ser o momento mais adequado, Mackros deu um leve assobio para alertar Cameroth, Kron e Ryuzo que era hora de agir, todos retiraram suas respectivas adagas de suas bainhas para certificar de quê só os corvos continuassem vivos naquela noite.

~~
Trâmite R485
~~

 Sibel seguia Cameroth de maneira inquieta, a estranha criatura tinha, de certa forma se apegado a ela, de cômodo em cômodo, de canto em canto, para onde Cameroth ia, lá estava Sibel, porém a sádica hiena estava indiferente com a essa situação, não sabia demonstrar afeto, e por medo de repressão nem tentava se aproximar.
 Cameroth teve de esperar no laboratório enquanto os outros terminavam de edificar os novos canais de transplantes.
 Durante toda a tarde, as duas moveram os contêineres que continham os equipamentos que Mackros havia encomendado. Quando o sol começou a dar espaço para a lua, elas rumaram para o armazém, o último piso do edifício guardava as melhores guloseimas que uma hiena e uma incorporação bio-mutante poderiam querer.
 Os doces caramelizados estavam guardados em caixas nas prateleiras próximas ao teto, Sibel era muito pequena para alcançar e dependia exclusivamente de Cameroth para conseguir uma daquelas saborosas barrinhas, assim, tratando de começar a puxar a camisa da mulher para chamar atenção, fazendo-a virar furiosamente para a criaturinha:
 - Larga da minha pata! Esses doces são meus!! Meus, me-us!! - retrucava de forma impaciente.
 Sibel, que ainda não conseguia falar, soltou o seu "kah", única expressão que sabia pronunciar em sinal de desaprovação, virando de costas para Cameroth em seguida com os braços cruzados.
 Logo que se viu livre da pequenina, ela pegou quantas barrinhas podia, e subiu novamente para o laboratório, sentou-se na mesa que usava para marcação e começou a mastigar impiedosamente o caramelo dos docinhos. Depois de comer a primeira barrinha, olhou ao redor, um silêncio tenebroso, onde estava Sibel para lhe atazanar? Ela abaixou a cabeça e disse para sí mesma:
 - Você não é mais a mesma! Operação entregar chocolate, começar!!

~~
Tudo estava em paz R492
~~

 Enquanto rodopiava para exibir os detalhes do corpo de seu novo vestido e mesclá-lo com sua dança, Marin cantarolava o cântico de Naph, Orinith
visivelmente empolgada com a cena abanava a cauda de maneira involuntária enquanto analisava os traços da companheira. Onox ainda estava preparando o café para os amigos, logo não se permitia assistir a performance de Marin, por outro lado, Rorshi não só assistia, como também pronunciava comentários como "linda!" e "arrasa!!" para entusiasmar o ambiente.
 A pequena sala além de comportar os três com folga, também havia espaço para que Marin realizasse seu ensaio sem problemas, contudo, Onox terminara de fazer o café e se dirigia para o cômodo, sem reparar que sua colega dançava acabou esbarrando nela, derrubando café quente em toda a sala.
 O evento havia sido tão aleatório que não conseguiram ficar bravos ou desapontados, invés de uma reação desagradável, todos começaram a gargalhar subitamente.

~~
Fardo R495
~~

 O sol se preparava para se despedir, e os recrutas continuavam a treinar no pátio do Centro Mestre de Yllinder, Marin gritava ordens para os seus subordinados do palanque do portão. Orinith ao ouvir a voz de companheira procurou afoita em meio a multidão de pessoas que assistiam a sessão de treino dos futuros guardiões do reino, só foi se dar conta de que Marin estava no alto quando escutou um dos espectadores soltar um "A capitã está do lado de vossa majestade!".
 - O treino de força está finalizado! - ordenava o sargento Lontek com um tom exagerado, como de costume.
 Orinith se apressou em subir pela escadaria que levava até o palanque, pois já tinha conhecimento de que os entusiastas nas suas costas logo iriam rodear o local, pedir por autógrafos de seus 'heróis'. Marin estava de costas para a escadaria, então não conseguiu identificar a sua colega que subia as pressas. Orinith tentava forçar a sua passagem por entre o pequeno grupo de oficiais que cercavam a tigresa e o jovem rei. Ao avistar uma intrusa tão próxima, um dos sargentos, Redan vociferou em sua direção:
 - Parada aí mesmo, esta área está fora dos limites!
 A garota não recuou nem um único passo, ao invés disso se aproximou mais ainda e retrucou:
 - Preciso falar com a capitã Deckell!
 Desembainhando sua espada, Redan a segurou pelo ombro e deliberou a ordem para os soldados ao redor:
 - Retirem essa mulher daqui imediatamente!
 Orinith se esgueirou por baixo do braço do robusto sargento e correndo em direção à sua conhecida, gritou:
 - Marin!!
 Neste instante Marin, que estava conversando com o monarca, vira-se para a pequena confusão que acontecia e se surpreendeu com a presença de uma figura conhecida, recuando alguns passos involuntariamente. Logo que Orinith é imobilizada pelo soldado que estava em seu encalço, Marin volta a realidade e acalma a situação:
 - Não se preocupem, ela é minha...conhecida, podem deixá-la comigo agora, agradeço.
 Redan lentamente sai de cima de seu alvo e desconfiado presta uma continência. Orinith se levanta e bate a poeira de sua roupa com as patas, enquanto Marin a observa de maneira confusa, logo Termius O'Marentio, o soberano de Megara, intervêm na cena, questionando sua subordinada:
 - Héride, quem és esta que vem aos prantos a teu encontro?
 Marin, sem jeito fica impossibilitada de responder por um momento, até que Orinith quebra o gelo, apontando o indicador para o monarca e bradando anunciou:
 - Ela é minha esposa!
 O monarca levanta de seu assento dourado e olha bem no fundo dos olhos de Orinith que não se intimida, e de um modo debochado, responde:
 - Esposa? Estou vendo errado ou a senhorita realmente ousa anunciar tamanha heresia em minha frente? Que figura essa que arranjaste, hein Héride?!


~~
Momentos Insensíveis R495
~~

 - Você é totalmente irresponsável, inconsequente, imatura e... - Marin suspirou - ...me faltam palavras pra descrever como eu estou desapontada com você!
 Orinith, com as orelhas baixas de tantas broncas, e insistiu:
 - Vai me dizer que não está nenhum pouco feliz de me ver?
 A capitã, envolta em um redemoinho de sentimentos, tratou de amenizar as palavras:
 - Eu não disse isso! Eu estava com saudades - Orinith sorriu, levantando as orelhas abruptamente - de todos vocês - voltou-se a feição anterior - porém, da maneira como a senhorita apareceu, e o que disse na frente dele, a situação poderia ter ficada muito feia se não fosse por Redan!
 - Aquele bode velho? Pfft - interrompeu Orinith - Eu podia lidar facilmente com a situação sem a ajuda daquele charlatão!
 Apesar de tentar conter o riso, Marin gargalhou do comentário da pequena, sentou-se na mesa de madeira próxima a porta, e exclamou:
 - Que maldade falar isso dele, ele é um bom homem, mas confesso que talvez ele esteja ficando velho - a frase foi seguida por um longo suspiro - e eu também...
 Orinith esfregou os olhos, gesticulando não estar acreditando no que acabara de ouvir, aproximou-se intimamente de Marin e bradou:
 - 'Tá' brincando, pra mim você fica mais linda a cada ano que passa!


~~
Dor e Rosas R495
~~

 O sol já havia partido, logo, a lua clareava o céu do bosque de Temôra. Em uma cabana afastada da estrada principal estavam escondidos os 3 procurados, Orinith, Redan e Marin, esta última, desacordada devido aos eventos recentes.
 O sargento, afoito, vigiava pela pequena janela, procurando qualquer evento suspeito pelas escuras redondezas, enquanto que Orinith, sentada ao lado do corpo de Marin, escrevia em um pequeno pedaço de papel.
 - Olha, eu sinto muito por antes - justificou Redan - eu não sabia que você conhecia a Capitã Deckell.
 Orinith interrompe a escrita, vira-se para o sargento, e suspira, antes de responder:
 - Não foi nada, quero dizer, você tem mãos fortes e pesadas, posso dizer que naquele momento eu realmente senti, mas agora, não há com o que se preocupar!
 Redan deixa seu "posto", e senta-se do lado da pequena.
 - E então? Qual é a sua história, sra. Cizneros, como conheceu nossa capitã?
 Orinith surpresa com a pergunta, leva um tempo até responder a pergunta, enquanto Redan aguardava pacientemente:
 - Foi há muito anos, em Yllinder, ela me encontrou em uma tarde chuvosa, enquanto eu estava... - Orinith dá uma pausa, e refletiu se deveria continuar a história - ...enquanto eu estava me "lamentando" por certos problemas, ela me estendeu a pata sem nunca ter me conhecido, enquanto que o mundo me virou as costas...
 Redan, compadecido pela história, porém ainda curioso, insistiu um pouco mais:
 - Acredito que ela não seja uma simples boa pessoa pra você, pra ter vindo de tão longe em busca dela, não é mesmo?
 Orinith com o rosto corado não hesitou em responder:
 - Sim, eu a amo incondicionalmente.
 O sargento sorriu amigavelmente:
 - Então ela está em boas patas! Tome conte da nossa garota, Orinith, ela é boa demais pra esse mundo.

~~
Execrados R496
~~

 Teias rubras se desdobravam pelo porão da antiga cabana, Onox estava incomodado com a baixa umidade do local. Logo atrás, Tenmake se esforçava para manter o passo e continuar ao lado da salamandra.
 A medida que iam avançando pelo estreito e linear caminho, os sons começavam a tomar forma, eram sons de máquinas sendo despedaçadas. O olhar de Onox era de fúria, seguia impaciente enquanto tentava afastar a instabilidade de manter seu corpo de pé em um ambiente seco.
 Uma luz começava a aparecer pelo teto, havia uma sala acima do 'túnel' que estavam, Tenmake expressou sua curiosidade enquanto apertava o passo para acompanhar:
 - É realmente fascinante como aquela velha cabana pode ter uma conexão tão longa dessa forma - ele analisava, às pressas, as paredes detalhadas com gravuras antigas - você realmente acredita que aquele lunático poderia estar em um lugar assim?
 Onox não responde a pergunta, e continua andando.
 A dupla peculiar chega em uma escada que dá acesso ao piso superior, o roedor se adianta para subir a escadaria mas é segurado por Onox que o alerta com um sério:
 - Se ele realmente estiver aqui, então talvez as coisas possam sair problemáticas, eu só... - ele deu uma pausa, estava ofegante, o calor não o ajudava - ...só queria te agradecer por tudo, você foi um irmão pra mim...
 Tenmake escutava aflito, presumindo o que estava por vir, mas não ousou interromper a fala de seu companheiro:
 - Eu não quero te envolver mais do que isso, daqui pra frente, só eu irei... - Tenmake abriu a boca para protestar mas Onox não permitiu, dando-lhe um beijo na testa - que a benevolência de Castillon recaia sobre você!
 Tenmake com os olhos em lágrimas, recitou para seu amigo:
 - Que nossos passos encontrem um caminho de paz!! Obrigado por tudo!!!
 Os dois se abraçam, e então Onox, sozinho, sobe a escadaria, já sabendo que, sua vida não iria muito mais longe..


~~
Primeiros Passos R497
~~

 Após os gritos abafados de Orinith cessaram, Mackros estendeu os gatilhos da cúpula R.O.O.M., resultando em uma pequena nevoada com o vácuo saindo e o líquido espesso molhando o chão. Ansiosos Cameroth e Kron, esperavam com os olhos arregalados o resultado de seu esforço, enquanto Sibel ainda chorava a morte de Bayle, estirada no chão banhada pelo próprio sangue.
 Foi com essa cena em preto e branco que um ser cinzento se mostrou aos Manchados Rubros, a esguia criatura colocava sua pata com dificuldade para fora da cúpula de vidro tentando se arrastar em direção a luz que lhe era projetada. As borboletas no estômago de Cameroth morreram ao avistar a besta que saíra de sua capsula, suas presas rasgavam a carne de seus finos lábios, os remendos que haviam feito nos tecidos não cicatrizaram, uma enorme cabeleira alaranjada se estendia até suas coxas nuas, olhos vazios fitavam o nada enquanto tremulava de um lado à outro. Mackros sem esboçar reações desprendia uma coleira de seu cinto e entregava à Kron, que logo o questionou:
 - Tem certeza?
 Mackros apenas fez que 'sim' com a cabeça e esperou. Kron toma a coleira adornada com ligações metálicas da pata de seu superior e andou em direção ao monstro que haviam criado, porém ao se aproximar foi surpreendido com um rugido nada melódico que o fez derrubar o acessório. Mackros se aprontou e deu a ordem ao subordinado:
 - Segure a mandíbula dele, agora!
 O lobo olhou de maneira confusa para o colega, mas logo avançou até a boca do cinzento, sendo mordido profundamente em seguida, seu grito de dor podia ser ouvido quilômetros de distância. Mackros se aproximou sem pressa com seu florete e cortou a mandíbula da aberração junto com o braço de Kron. Sibel não parava de gritar, ao mesmo passo em que Cameroth estava sem reação.
 Mackros sorriu, ignorando os outros na estação, e limpando o sangue de sua lâmina em seu jaleco bradou:
 - Sim, sim, será a nossa vez de brincar com a morte! - ele deu uma pausa e olhou diretamente para o rosto ensanguentado da besta - O que acha... de ser chamado de Room?

~~
Notívago R497
~~

 Os badalares que anunciavam a noite já haviam soado há algum tempo, não havia mais delinquentes, nem apostadores, nem pedintes, nem tampouco os habituais carteiros, as ruas estavam desertas, porém, não se tratava de um evento local, nem de um toque de recolher, apesar de não estar muito distante disso. A figura cinzenta percorria incansavelmente, com seu semblante vazio, os arredores do assentamento, batendo de porta em porta, esperando ser atendido, seu olhar distante somado com seu odor fétido mantinha qualquer curiosidade externa a uma distância segura, tamanha que ninguém se atrevia a deixar a segurança de seus lares para investigar o que se tratava aquela criatura.
 Os aldeões acompanhavam, atentos e silenciosos de dentro de seus abrigos, a movimentação da figura aterradora, sem responder.
 Após algumas horas, após percorrer todo o assentamento e bater em todas as portas, a figura escura rumou à saída do assentamento, a luz da lua fazia o cabelo alaranjado brilhar e destacar seu caminho para os olhares cansados, que logo constataram, "está indo embora".
 O que pareceram eternidades, logo se mostraram algumas horas, já que o sol logo havia aparecido no horizonte, os aldeões temerosos logo abandonaram a segurança de suas casas e, armados com lanças de madeira, verificavam se não havia nenhuma criatura diferente na área. A agitação logo parou, e eles voltaram rapidamente para seus afazeres, porém, nunca souberam o porquê daquela criatura, que havia deixado um rastro de sangue por onde caminhou, batera em suas portas.


~~
Tingido em escarlate R499
~~

 O ambiente havia sido tomado pelo icônico aroma de sangue, uma vez que o saguão jazia trancado, nenhuma das vozes conseguiram atingir a parte externa do armazém, e assim permaneciam os desafortunados com a besta ensanguentada.
 Caminhando lentamente na direção de Libbe, salivando e com o olhar fixo em seu ferimento, a aberração cinzenta prosseguia, ignorando os apelos que os demais faziam no local.


~~
Liberdade R512
~~

 As ruas de Yllinder, que uma vez já foram preenchidas com enormes eventos festivos, agora estavam vazias, a entrada principal estava morta, assim como a pequena muralha que circulava a área do povoado, estava rachada por toda sua extensão, e por onde Room conseguia enxergar, não avistava sequer um Coração-branco, que faziam fama por flutuarem por cima de toda a cidade.
 O vento soprava forte, seu cabelo escarlate esvoaçava de maneira aleatória em direção à cidade, como se estivesse sendo empurrado. À maneira conveniente como a gruta que acabara de sair se distribuía em frente a entrada era de pouco interesse do olhar de aço curioso da criatura cinzenta, ela buscava os seres flutuantes que lhe contaram que estaria presente naquele lugar.
 Por alguns minutos ficou observando à distância a aparência intimidadora da cidade que aparentava estar deserta, logo mudou sua postura, de curiosidade para descontentamento:
 - Não, era, ver-da-de!!
 Gritou de uma maneira em que julgou ser capaz do velho Rez ouvir, por conta de sua 'língua presa' não conseguia falar alto sem fazer pequenas pausas, mas estava confiante que o seu antigo conhecido havia escutado, realizando um rosto de deboche depois.
 Depois de muito tempo observando os arredores, decidiu que era hora de finalmente adentrar a tenebrosa capital, porém logo que deu o primeiro passo, sua pata prendeu na raiz da árvore em que ficou escorado, de forma que foi atirado para baixo da colina, parando com o rosto no chão, sujando sua máscara e sua roupa de terra, assim que conseguiu levantar, notou que estava rodeado por um pequeno grupo de pessoas, pessoas estas que usavam armaduras reluzentes como a prata, todos estavam portando armas, agora desembainhadas. O sol refletia nos olhos de Room, ele não conseguia enxergar os rostos das figuras à sua volta, um hiato tenebroso se instaurou entre as criaturas ali presentes, até que um dos elementos resolveu quebrar o gelo, andando em direção ao estabanado animal embaixo da colina, a figura era alta, cabelo raspado do lado esquerdo e uma parte lisa, que escorria até suas bochechas no lado direito, focinho e orelhas pontudas,  lábios femininos e um andar nada sutil, ela parou na frente de Room e então questionou com um tom indignado:
 - Quem é você criatura esquisita, e por que estou sentindo o cheiro da Marin em você?

 |Transição de capítulos|

 O salão de treino ocupava a entrada principal do castelo, tudo nele parecia ter um 'ar' diferente, o que antes eram aparadores e porta casacos, agora eram alvos e porta-estandartes, os candelabros aparentavam serem as únicas peças que não haviam sido modificadas de alguma maneira. Room continuava a seguir a capitã egocêntrica sem questionar enquanto a comitiva que os acompanhava ia estacionando pelo caminho, até que somente os dois continuavam a andar. A garota parou em frente a uma porta no pé da escadaria que levava ao segundo piso, ela girou a maçaneta e fez sinal para que Room entrasse primeiro, ele obedeceu.
 Era uma sala pequena, apenas uma mesa com duas cadeiras nas extremidades, algumas prateleiras com alguns livros velhos se estendiam  no fundo e algumas velas apoiadas nas paredes iluminavam o ambiente. A capitã se sentou, esperou Room se sentar, e então deu início a um interrogatório:
 - Então, vamos agilizar, eu sou Connie Donorhan, como já lhe disse, ex-capitã da cidadela de Yllinder, e atual líder da revolta da liberdade contra o império de Taima - ela deu uma pausa, Room a observava com um olhar curioso - o ponto é, precisamos da Marin aqui, ela era uma das melhores, é inegável que você teve contato com ela, precisa nos levar até onde ela está! Milhares de vidas estão dependem do resultado do próximo embate!!
 Room abaixou a cabeça e ficou imóvel por alguns instantes, o som dos soldados do lado de fora, treinando arduamente, lhe trazia um desconforto inexplicável, respirou fundo, olhou fixamente nos olhos de Connie e só então respondeu:
 - Eu não levá-la até ela...
 A capitã deitou a cabeça para a esquerda, mexeu as orelhas e de maneira impaciente questionou:
 - Você está brincando comigo?! A situação aqui é séria meu amigo mascarado, por que não pode nos--
 Room levantou, bateu a pata na mesa e gritou com os olhos fechados, lavados em lágrimas:
 - Eu não posso fazer isso porque ela está morta!! - ele vai até a janela - ela está morta...e por minha causa, ela nunca mais fará ninguém sorrir...
 Connie permanece em choque com a informação por alguns segundos e então dispara na direção de Room, agarrando-o pelo pescoço:
 - O que você quer dizer com isso?! Marin morta? Para de me fazer perder tempo! - ela suspende Room no ar, e com uma voz descontrolada prossegue - Onde ela está?! Onde ela está?!? O que você fazia com o medalhão dela?!?! - ela solta Room no chão, fazendo cair sua máscara e revelando sua face.
 Room tenta virar o rosto para, em vão, evitar que seja visto, Connie observa abismada a silhueta da criatura a sua frente, recuando alguns passos, ela questiona horrorizada:
 - O que é você?!
 Room, no chão, encolhe suas pernas e coloca sua cabeça entre elas, com a falha esperança de simplesmente ser esquecido, ignorado. Connie retira uma faca de debaixo da mesa e a empunha na direção da silhueta à sua frente:
 - O que... o que você fez a ela?!
 Room permanece imóvel. Os dois permanecem em um jogo de silêncio por alguns minutos.
 - Certo, certo - ela deu uma batida de leve na testa com a palma, como se estivesse voltando ao normal.
 Connie pega o medalhão novamente e o segura firme, guardando a lâmina em seu local original, ela caminha até Room, levanta sua cabeça delicadamente e desfere um tapa em seu rosto:
 - Recomponha-se!
 Room, com uma marca de pata no rosto, olhou envergonhado para a rígida postura da capitã à sua frente, engoliu o choro e então seguiu a fala com um tom baixo:
 - Eu... não... Não era para eu estar aqui, não era para eu estar vivo! Ela, assim como todos os outros foram usados para um experimento, eles... eles - Room não conseguia mais conter o terror em sua voz - eles tiveram suas vidas arrancadas para que eu pudesse viver!

~~
Eu ainda sou aquele de olhos fechados R514
~~

 Room estava sentado frente ao cadáver de Connie, que estava estirado na grama manchada pelo seu sangue. O vento se enfurecia àquele momento do dia nas planícies de Yllinder, fazendo com que o odor de morte que rondava o local se espalhasse, compartilhado com os murmúrios dos sobreviventes.
 Sentir a perda de alguém querido, já havia alguns anos desde a última vez, o trauma ainda era o mesmo, se não, pior. O estandarte de Megara ainda podia ser avistado ao longe, e pelo que parecia, a carnificina estava longe de terminar. Renno se aproxima ofegante do cinzento e, colocando a pata em seu ombro, exclama:
 - Precisamos bater em retirada, seremos abatidos em campo aberto, vamos reagrupar na encruzilhada e então preparar uma contraofensiva!
 Room permanecia silencioso, apenas observando, com seus olhos cheios de lágrimas, o corpo de sua tutora desfalecido, e enfurecido responde o seu superior:
 - Vão sem mim... - sentia dificuldade em falar - eu não permitirei que desrespeitem a dama de Yllinder!
 O corpulento capitão estava inquieto com a resposta e tratou logo de pesar seu tom de voz:
 - Não é um pedido, é uma ordem! Morrerá em vão se ficar aqui, tente - é interrompido subitamente por Room que trata de agarrar a espada que havia deixado cair.
 - Em vão?! Assim como ela? Se for para viver com vergonha, eu prefiro morrer defendendo o que eu acredito! Vão e protejam aqueles que são importantes para vocês!
 Renno abaixou a cabeça e sorriu timidamente, para então estender a pata para o cinzento de maneira orgulhosa:
 - Falou como um legionário real, ela estaria orgulhosa de você! Se deseja lutar a morte, não posso te privar dessa honra, porém saiba que sentiremos sua falta soldado! Pela liberdade!!
 O herói aceita os cumprimentos, então volta-se para o horizonte, de onde seus inimigos estavam se preparando, segura seu escudo e ruge com todas as suas forças:
 - Pela liberdade!!!

~~
Eles R642
~~

 Cansada, sem fôlego para continuar insistindo, Room estava desacreditada, haviam lhe amordaçado, cobriram suas brânquias com cintos de couro, e suas patas estavam quebradas acorrentadas por grilhões de metal. O palanque no qual estava suspensa estava rodeado por sádicos e curiosos que assistiam a cena humilhante normalmente.
 Anrodi circulava em torno da criatura acorrentada enquanto gritava para sua plateia:
 - Aqui está o campeão de Yllinder, a besta da letra visionária, o - ele começou a gargalhar - herói cinzento!!
 A plateia começava a vaiar, o carrasco então subiu ao palco e esperou pelo término do discurso do tirano:
 - Aquele que nos desafiou agora está acorrentado sem dignidade - Anrodi agarrou o pescoço de Room e direcionou seu rosto para as pessoas que pediam sua morte - Sabe o porquê de estar aqui criatura?
 Room olha fixamente para os olhos do tirano para então o responder:
 - Estou aqui porque acredito em justiça, paz e acima de tudo - tosse - em liberdade!
 Os aldeões que estavam mais próximos ao palanque começam a rir, Anrodi sacode a cabeça e faz sua réplica:
 - Errado! Errado! Está aqui porque seguiu os fracos!! Está aqui devido à sua incompetência e misericórdia! - ele aponta para o portão - lembra-se daquela espiã que você deixou viver? Lá está ela, nunca teríamos capturado seu corpo esguio sem as informações dela [...]
 Antes que pudesse terminar seu monólogo, a plateia impacientemente começou a gritar:
 - Mate a besta! Mate a besta! Mate a besta!!!
 Anrodi coça sua barba e faz um gesto com as mãos, o carrasco recebendo o sinal segura seu machado:
 - Algumas palavras para compartilhar antes de morrer?
 Room com os olhos negros profetiza:
 - Você não vai conseguir me matar, nenhum de vocês vai, vou caçá-lo e quando eu o encontrar vou fazê-lo pagar com sangue por todas as vidas que tomou!! Eu vou [...]
 O carrasco desce o seu pesado machado, desprendendo a cabeça de Room de seu corpo, fazendo sangue negro se espalhar pelo chão.

~~
Grande parvo R896
~~

 Joseph se encontrava preparando o almoço para as crianças, apesar de sua cozinha sempre aparentar estar atravancada, era um dos locais onde se sentia mais livre dentre todos os cômodos, porém a sua consciência não lhe deixava isento de culpa.
 Suas vestimentas estavam adequadas para um encontro casual, sapatos de couro, calças justas e um pulôver roxo sobre a camisa, era a única coisa que havia separado e ainda não estava pronto para ser lavado.
 O vento no fim da tarde parecia diferente do convencional, de alguma forma, o robusto golden retrivier sentia que algo estava para acontecer, os fenômenos sempre o alertavam.
 E não demorou muito para avistar uma figura se aproximando de sua residência, um semblante não muito distante passava por entre os carvalhos próximo ao lago, fixado na direção da estrutura.
 Joseph correu para o quarto onde suas filhas, Sofia e Scarllet, estavam brincando com bonecas de pano, e com uma voz ofegante tratou de dar a ordem:
 - Escutem meninas, eu vou resolver um problema lá fora...
 Sofia levanta do chão e interrompe o pai:
 - É aquele esquilo engraçado de novo? - ela pergunta segurando a risada.
 Joseph dá uma pausa e responde:
 - Sim, querida, é aquele esquilo novamente - ele esboça um sorriso - então fiquem aqui dentro, certo? E Scarllet, você é a mais velha aqui, se eu não voltar em 30 minutos, vá até a casa do tio Laziq e diga a ele que o execrado retornou!
 Scarllet sem levantar do chão, olhando com uma expressão de indignação questiona:
 - O que significa exerado?
 Joseph ri e termina:
 - Não minha pequena, a palavra é 'execrado', ele vai explicar pra vocês - ele se aproxima de Scarllet segurando pata de Sofia e se abaixa abraçando as duas - eu amo muito vocês duas, não se esqueçam disso!
 A caçula confusa pergunta:
 - Por que que você tá dizendo isso agora?
 Ele levanta e se dirige a saída, portando um semblante triste brada:
 - É algo que eu me lembrei, até mais queridas!
 Antes que pudesse ser respondido ou questionado ele fecha a porta às suas costas e vai de encontro com a criatura que se aproximava, um pouco relutante, mas sem recuar um único passo.
 Ao se aproximar o suficiente, Joseph conseguiu identificar a figura suspeita, cabelos longos alaranjados, marcas icônicas em seu rosto, trajando uma vestimenta volumosa e floretes na cinturas, se tratava do justiceiro que havia encontrado na fronteira de Mvidare dias antes.
 Logo que beiraram um ao outro, pararam de andar e começou uma breve troca de olhares, de um lado o retrivier que se mostrava cansado, abatido, de outro, a quimera expressando um olhar colérico, com as presas aparecendo.
 Para quebrar o gelo, Joseph levantou a pata para cumprimentá-lo porém logo que executou um movimento, Room lançou uma adaga que segurava na pata de seu contíguo. A fisionomia de agonia era evidente no rosto do canino que agora estava com sua pata sangrando ao mesmo tempo em que estava sendo empalada pela lâmina negra da faca.
 - O que é que você quer?! - esbravejava Joseph em aflição.
 Olhando com desdém para o jovem adulto em sua frente, o autoproclamado justiceiro vociferou:
 - Eu quero a sua vida! - uma voz de desprezo era evidente.
 Ao escutar a frase de seu agressor, o retrivier branqueou, gotas de suor começaram a cair e lágrimas surgiram em seus olhos. Olhou para o os olhos negros da criatura a sua frente e questionou aos prantos:
 - O que eu fiz para você?! Eu não tenho dinheiro, sou apenas um simples artesão, poupe-me!
 Room se atira no rumo do lamentador e o agarra pelo pescoço, levantando-o com facilidade do chão:
 - Simples artesãos não tem o que temer! - o arremessa no chão, e caminhando em sua direção novamente prossegue - Porque não incineram cabanas!! - o golpeia no abdômen com sua pesada bota de ferro - Não matam pessoas desarmadas e não fogem com sangue em suas mãos como se não houvesse acontecido nada! - enraíza as garras, que rasgam sua luva, no rosto da vítima, que grita de dor.
 Algumas cenas do eventos que o bárbaro descreveu começam a voltar a cabeça de Joseph, que logo se volta, com dificuldade, à direção de sua casa. O enfurecido recua alguns passos, dando um instante para sua vítima respirar, que logo trata de se sentar e relutantemente exclama:
 - Eu não tive escolha, era isso ou viver na miséria pro resto da vida! Eu tenho duas filhas que cresceram sem a mãe, não suportaria ter de vê-las passando fome também!! Você entende o que é ser pai?! - sua voz estava descontrolada - Eu farei tudo ao meu alcance pelo melhor delas!!!
 Room retirou seu florete, e com a cabeça abaixada retrucou:
 - Você sempre tem uma escolha, e você escolheu ser um assassino a sangue frio, destruindo outras famílias para proteger a sua! Quanta empáfia!
 - E o que você sabe sobre o nosso modo de vida? Você não pertence a estas terras, temos o nosso modo de levar as coisas! - interrompe o retrivier.
 Room sorri maliciosamente, e dita em uma voz impiedosa:
 - Se me recordo bem, 'olho por olho, dente por dente', então, depois de você, terei de esquartejar suas filhas também, já que você tomou Catherine de mim!

Comentários